Era segunda-feira. A cidade amanheceu nublada apontando um belo dia de chuva. No Ceará o tempo é belo quando chove. O trânsito estava estranhamente fora do normal com poucos automóveis na estrada. Dona Adelaide dirigia seu carro ouvindo suas músicas da década de setenta. Aliás, ela sempre dizia que havia nascido na época errada e não suportava a ideia de ouvir a rádio. Fazia questão de mostrar a todos o seu gosto musical e a sua nostalgia.
No banco do passageiro, em silêncio absoluto, estava uma senhora que sempre acompanhava, pois, ia de carona todos os dias para o trabalho. E a carona a qual me refiro é aquela antiga, bem ao estilo dos filmes. Quando estava saindo da estrada prestes a entrar em uma região de periferia, o semáforo da região aponta amarelo. Adelaide tenta acelerar quando ao olhar para a direita, assusta-se com o vulto que se aproxima, obrigando-a a pisar bruscamente no freio:
— Oi senhora, pode baixar o vidro? Falou um homem de boné, enquanto colocava as mãos na janela para visualizar quem estava dentro.
— Jesus! É um assalto. Bradou Dona Cesarina, que estava ao lado, no banco do passageiro.
— Senhora, senhora! Insistia o homem de boné.
Adelaide, a princípio, pensou que fosse um assalto à mão armada, contudo, olhando racionalmente o cenário, percebeu que havia uma idosa, uma criança e mais uma mulher de meia-idade. Resoluta, baixou o vidro.
— Diga, senhor?
— Preciso da sua ajuda. Minha sogra foi atropelada, machucou o tornozelo que está muito inchado, poderia nos levar ao hospital mais próximo?
Que sorte teve o desconhecido! No trajeto até o trabalho, de fato, há uma unidade hospitalar. A motorista destravou as portas e adentraram no banco de trás a esposa com a filha no colo, a senhora e o homem de boné. No percurso, o homem reclamava a todo momento do péssimo atendimento da saúde pública e da falta de emprego. Protestava também contra o governo que tinha ajudado a chegar ao poder. Via-se a decepção, a indignação e a frustração naquele cidadão tão comum e tão representante de todos nós.
— A senhora acredita que meu auxílio foi cortado? Como poderemos nos manter ficando, repentinamente sem uma renda complementar? A inflação está lá em cima, os produtos sobem toda semana, nosso salário não acompanha. Se arrependimento matasse, já estaria morto.
— Olha, senhor, não foi falta de aviso! Nenhum político olha pra gente depois de eleito.
— Pois é, eu sei. Fui tolo e acreditei em promessas e veja só a minha situação: estou desempregado, minha mulher sem receber o bolsa-parente e tendo que pedir carona… Quanta humilhação! Quem sabe assim, aprendo a votar. Nesse presidente eu não voto mais. Roubo, confisco, inflação, imposto… Tudo de pior para a população já tão sacrificada.
O tom político da conversa fez o tempo passar e em um piscar de olhos chegaram ao destino. De longe, era possível ver a quantidade de pessoas que já aguardavam na longa fila o momento de pegar as senhas e adentrar nos consultórios.
— Melhoras para a senhora e boa sorte no atendimento. Despediu-se Adelaide.
— Agradecida pela carona, Deus abençoe a senhora! Desejou a família em tom de agradecimento.
Observando do carro, Adelaide reflexiva, imaginava como seria o cotidiano dessa família sem recurso, com a criança faltando um dia letivo, uma idosa com o calcanhar machucado, um pai sem emprego e uma mãe sem expectativa de futuro.
Eis, o resumo da situação de muitos brasileiros. Será que o Brasil tem jeito?
Por: Rafaela Sinésio – Espectadora do Anfêmero e apreciadora de café adocicado.
1 comentário em “Crônica – A CARONA INESPERADA”
Essa crônica é a realidade do cotidiano brasileiro, muito bem escrita parabéns Rafaela Sinesio