O silêncio das ruas e a fala das facções
Como profissional da segurança pública e pós-graduado na área, vejo com preocupação o abismo entre a queda dos índices em relatórios e a realidade vivida nas comunidades

O caso que levou um policial militar a deixar sua casa no bairro José Walter, em Fortaleza, após ser ameaçado por indivíduos ligados ao Comando Vermelho, não é apenas mais um entre tantos episódios da crônica policial cearense. Ele é, na verdade, um grito silencioso que ecoa nas ruas dominadas pelo medo — medo este que parece crescer no mesmo ritmo em que as facções criminosas se tornam mais audaciosas e organizadas.
No último domingo, 6 de abril, dois homens foram detidos após picharem muros com referências à facção CV e ameaçarem um agente da Polícia Militar que ali residia. Embora os criminosos tenham sido encaminhados ao 13º Distrito Policial e um Termo Circunstanciado de Ocorrência tenha sido lavrado, o que mais chama atenção é a consequência: dois dias depois, o policial e sua família se mudaram, escoltados por colegas de farda. A PM negou que a saída tenha sido forçada, mas os fatos falam por si.
Este cenário se insere num contexto mais amplo e preocupante. Segundo dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), o estado registrou 3.272 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) em 2024 — um aumento de 10,2% em relação a 2023. No entanto, o início de 2025 trouxe um alívio parcial: houve uma redução de 11% nas mortes violentas entre janeiro e março, com 729 casos registrados, frente aos 819 no mesmo período do ano anterior.
Também houve progresso na diminuição dos Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs), com uma queda de 27,2% no primeiro trimestre deste ano (7.096 ocorrências) em comparação com o mesmo período de 2024 (9.750). Os números apontam avanços, mas, como mostram casos como o do José Walter, a sensação de insegurança ainda persiste — e ela não se resolve apenas com estatísticas positivas.
As ruas falam. E hoje, em muitos bairros da capital cearense, elas falam a língua das facções. Elas ditam regras, impõem toques de recolher, decidem quem entra e quem sai, como se fossem entidades paralelas ao Estado. A ousadia dos criminosos em ameaçar um policial dentro do seu próprio lar revela o nível de territorialização do crime organizado, que opera com lógica própria e com um sentimento claro de impunidade.
Como profissional da segurança pública e pós-graduado na área, vejo com preocupação o abismo entre a queda dos índices em relatórios e a realidade vivida nas comunidades. A violência se manifesta hoje não só nas estatísticas, mas na imposição do medo cotidiano. Famílias acuadas, policiais reféns de sua própria função e a perda progressiva da autoridade institucional em territórios tomados pelo crime.
É preciso reconhecer os esforços que vêm sendo feitos — operações integradas, investimentos em tecnologia e inteligência —, mas também é urgente admitir que ainda estamos longe de recuperar plenamente a confiança do povo nas forças de segurança. Segurança pública se faz com policiamento eficaz, sim, mas também com presença social, acesso à educação, oportunidades e políticas urbanas integradas.
Este episódio no José Walter deve servir de alerta: o Estado precisa voltar a ocupar os espaços que cedeu — mesmo que silenciosamente — ao crime. Porque, quando o Estado se cala, o crime fala. E quando o crime fala mais alto do que a lei, a democracia entra em risco.
Por Capitão Horizonte
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